quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ditas Damianas... Mares Damares...




Fernando Pessoa nunca soube e com toda a certeza jamais saberá q ainda não conheço Sabará. Muito menos Araxá. Que tenho em minha volta incertos guerreiros orixás. Que minha mente é ativa e meu intestino funciona sem q eu precise tomar banchá. Que admiro as inconfessáveis veredas e as fronteiriças virtudes da Lady Gaga.

Nunca esqueci Damiana. Vez ou outra me vem a lembrança da preta mucama risonha q me servia na boca o leite abarrotado em seus peitos anelados e fartos, desde qdo eu ainda era uma criança de colo até bem depois dos primeiros passos. Gostava de adormecer com o rosto e mãos coladas em seus peitos macios, aquecidos e acolchoados. Era de um incompreensível deleite o descobrir ingênuo de um prazer incomum. Damiana era uma rainha de pele negra q me alimentava de sua alma feliz e escravizada.

Minha avó se chamava Damares. Mulher cuja fibra escondia as dores e dissabores de um tempo em q a vida era regida por coronéis a exibir seus encomendados anéis e subordinados capitães do mato. Ainda jovem com um deles casou, mas, não demorou muito, logo se separou. Em um tempo q mulher não se separava mostrou sua determinação em expor suas garras libertárias e anônimas.

Sempre gostei de seu nome. Pela forma ondular e seu conteúdo q parecia se doar em mares. Mares de Damares. Mares revoltos q somente ela enxergava e sabia como navegar. Por uma dessas ironias da vida ficou cega. O q não a impediu de reconquistar seu pequeno grande mundo nas teclas do órgão de tubos de uma igreja, da qual era a organista principal. Ali era seu espaço. Nele despejava sua alma e se fazia sentir. Gostava de ouvi-la tocar, pois era o um único instante em q percebia, em seu escuro silêncio, ela sorrir.

No meio da noite um feixe de luz acendia o contraste da pele alva no couro negro chicote q vestia e adornava o corpo. Em coro os olhares bebericavam desejos, mesclando inveja e fascínio. Boneca de pano coberta louça. Boca neon em carne vermelha viva e uma cintura pilão moldada à feição. Naquele instante uma mulher se reinventava e ousava em seus contornos fetiches. Marilyn reencarnada. Doce e ingênua fêmea enamorada, consciente de seu feitiço pin-up, aos poucos foi ocupando o espaço burlesco de uma acetinada geração. Exótica melodia escarlate. Sabor de demônio a escorrer lascivo na pele fêmea em sua taça de champagne. Via crucis e exorcismo em olhos mergulhados em súplicas, devorando lábios e corpos atados. Extase de um prazer a lamber soluços.

Ditas malditas. Bem vindas benditas Von Teese. Diva suave de atitudes claras e irreverências Clarice. Intrépida strip azeviche tesse. Bula e receita refeita na rosa despetalada sem pudor. Fantasmas sem óperas a compor suas próprias fantasias. História revisitada de uma civilização art-decó Dietrich. Perfiladas gatas de botas narcisas batiam continências, enquanto eram lambidas por bizarras fardas nazistas. Cânticos profanos crucificados em asas de anjos azuis.

Versos transversos em vestes samurais expressam a alegria e a agonia de homens e mulheres numa mesa de Bach. Xingus atravessam florestas em conexões xangais, devastados pela beleza de uma secular arte burlesca. Dita flor perdida num pântano de sonhos. Ditas vontades q a carne grita. Feminina masculina. Porcelana lânguida embalada em acetinado sonhos devassos.

Fernando Pessoa nunca soube q no primeiro encontro me roubou a alma. No entanto, nos peitos de Damiana sempre encontrei a calma. Através dos olhares cegos Damares enxerguei meus pés na estrada e contemplei a beira mar com olhos de quem deseja o amar.

Hoje, depois de tantos anos, insisto por ser teimoso. E já nem ligo se sou visto de um jeito torto ou se meu possível amor diz q sou um tanto tosco. Nessas horas Fernando sempre me aparece na primeira pessoa. Com seus olhos miúdos parece sorrir qdo percebe o vento soprar em meus ouvidos: Vai! Segue em frente numa boa sem se preocupar com a garoa. Migalhas são tralhas q alimentam os pássaros criados em senzalas, q se batem, mas nunca rebatem. Pássaros escondidos com receio dos próprios umbigos, q se debatem sem saber q asas foram feitas para voar.