sexta-feira, 28 de março de 2014

O estacionamento...



Enquanto a cidade dorme, o vigia armado de porrete abre a guarda e a braguilha para boquetes de veados motorizados, engomados nas madrugadas.

Travestis, em sua maioria, negociam proteção na punheta para não borrar a maquilagem. Acompanhada de seus maridos, mulheres de berço nobre se aventuram por pura emoção.

Eram 03h45min da madrugada qdo ela dobrou a esquina com porte de princesa. Isabel era seu nome.

De onde vinha não sei. Nem direi como descobri seu nome.

Não posso afirmar com certeza, talvez pelas combinações, parecia trajar modelos Renner ou Riachuelo. Àquela hora não fazia a menor diferença. Com ansiedade percorreu os poucos metros q a separava da entrada do estacionamento,

Antes de ela entrar no extenso galpão, um apito longo antecedeu a entrada do vigia em cena. Pedalando sua Monark seguiu na direção de Isabel.

Vestia a camiseta preta q usara na ultima micareta. Em suas costas lia-se fácil a palavra segurança, de caixa alta e brancas.

Passados exatos 12 minutos o silencio foi cortado pelo “valeu” dito pelo vigia. Fazendo ruído na corrente ele retorna a rotina com sua bicicleta.

Ela diz “obrigada”. Indecente e sorridente continuou: “Dessa vez vc me arrombou. Se meu amor perguntar, direi q foi meu amigo Fernando...”

Já dobrando a esquina, fazendo um sinal de positivo com uma das mãos ao alto, ele apenas disse: ok.

Ainda se ajeitando na roupa, ela saiu pela rua tropeçando no próprio silencio. Caminhava como caminha a humanidade.

Antes de sumir na mesma esquina, ouviu-se outra vez um longo apito, como um grito de satisfação.

Alguns segundos depois um motor de carro dava partida...


quinta-feira, 27 de março de 2014

Testemunho de fé... Triângulo ocular...



Cabelos lisos e negros à altura da cintura.
Dorso côncavo de linhas curvadas em ancas maduras.
Doce algodão agreste, fêmea boa de festejar.

Seu linguajar quase mudo, de um respeito quase lúdico,
derrama-se aos sussurros qdo quer se criar.
Impropria para imaturos. Própria dos ocultos.

Leva a boca aos pés e os beija com braços encolhidos,
com prazer se estende no altar.

O mundo pode girar na revolução dos conceitos.
Mudar sentidos e acentos, a ponto de convencer aos polos
q marco de cada polo se encontra em outro lugar.

É crer pra ser. É sentir para se testemunhar.
Não há amor maior q o feito com o testemunho de jeová.


segunda-feira, 24 de março de 2014

Gruta anglicana... Ararinha azul...




Sonidos em suas membranas escancaravam escandinávias avermelhadas. Sonhos rabiscados em azulejos encardidos de vida alinhavavam desejos de maneira desconexa.

De certa forma parecia ser o modo correto de enxergar a trilha q me conduziria em sua direção.

Passado o tempo. O passado não passa de um tempo. É tempo q o vento não leva...

Ao toca-la com a ponta dos dedos senti q tinha vida própria. De tom impreciso, levemente umedecido, entre o violeta e o rosa.

Poucas penugens protegiam as margens e a volúpia em sua nascente q, ao desaguar sobre afluentes, se dividiam imensas, escandalosas, pelas ribanceiras de suas coxas.

Escrava do pudor atravessou a avenida dos navegantes. Durante o percurso, sem destino certo e abandonada por seu professor, confessou seus pecados nas esquinas da república.

Comportas abertas sem nenhuma passagem secreta, senha magnética ou palavra mágica.

Diante da gruta pude compreender o porquê dela insistir q já não valia a pena abrir-se ao sésamo. 

Nos fins de tarde, encostada ao muro da cúria, lia o guarani esperando q o índio a livrasse de seus infernos.

Quem sabe em meio a outros manifestos...





Montagem sobre fotograma do filme “Meu Japão brasileiro”, com Mazzaropi e Zilda Cardoso.

O guarani é um romance de José de Alencar, escritor cearense, adaptado à ópera por Carlos Gomes, compositor de ópera brasileiro.

sábado, 22 de março de 2014

Justine seja feita...



Debruçada na estante se faz de culta.
Verbo transgressor encosta com eloquência
na fina louça de suas coxas, nos bordados
desalinhadas da saia curta. Alma suada.
Desassossego no mar de sua calcinha.

Transe transcrito de olhos fechados.
Febre a descoberta em vento minuano
Afagos, flancos abertos em solavancos.

No baixo ventre brinca no trem
dando risadas com seus fantasmas.
A mão ousa. A emoção não repousa.
Dedicada esposa oculta na mariposa
Arguta abusa de seu protetor.

Um louva-a-deus salta no ar...

Meia a tarde adentra inocente
a casa à procura de sua dona.
Para seu espanto a encontra
no infortúnio de suas virtudes
nudez consagrada no sofá...




“Justine ou Os Infortúnios da Virtude” é um clássico do erotismo, escrito pelo Marquês de Sade.

Gata de bota... Baba de fada...



Modelava vestidos no corpo como se trajasse leques floridos.

A rigor, leve como moleque, repetia gestos. Abanava sorrisos de leve com o leque. Ao torto e ao direito remexia o quadril como ecos de afirmação.

Pura afinação.

Quando o calor teimava em falar mais alto fazia um instante de silencio. No mesmo minuto esquecia o ranço no tranco e se atirava no pau do gato.

No remoer dos ventos perfumava-se de aromas multicolores. Com eles perfurava o amor até remover cata-ventos do bolo do casamento.

A cada um seu devido tempo. E intento.

No movimento enlouquecido das maracas despia o pudor de seus contos de fada.

Querer... Queria. Só não sabia se deveria.
Atrevia. Só, não dizia nada...

Na volta para casa nem sempre retocava a maquiagem. Mas repetia os afetos de sempre.

Algumas vezes adormecia com o leque entreaberto, sorriso aberto e boca fechada.

Era o amor falando mais alto...


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sexta-feira, 21 de março de 2014

Outonos na chuva...



Lambia os dedos ensaboados na compoteira de doces. Deitava na rede para sonhar com chuva. Só não queria se molhar.

Entre uma janela e outra provocava. Devorava o q podia, como se o seu universo fosse feito de um único dia.

Carregava na bolsa palavras adequadas. Com elas apimentava fantasias em pombas impacientes à sua espera na praça da consolação.

O coração indecente palpitava a cada experiência. Se real ou fantasia nunca sabia. Evitava o confronto. Só não conseguia evitar os outonos.

Parecia correr contra o tempo, como se recupera-lo fosse necessário para justificar artimanhas usadas qdo ainda criança.

Dizia-se obrigada a ser o q era. Vinha de vinhedos Prisioneira de outras eras pintava vinhedos e primaveras.

Só não sabia ser o q era.

Por isso recorria ao tempo. O mesmo q lhe fugia à lembrança. Tempo q não vivera, pois esquecera de acordar...


domingo, 16 de março de 2014

Chama no ombro... Clara clareou...



Era vento virou advento. Passado o tempo foi dissolvendo. Só vendo para acreditar!

Tornado outra vez vento reconheceu o tempo. Coisa difícil de calcular!

Mais adiante soprou a chama na vela amarela, cor guia de seu orixá.

Naquela noite, vinda não sei de onde, adentrou sua vida trajando robe de chambre. Disse q esquecera a santa em casa e, de todas as formas, se fez cada vez mais clara.

Na lua cheia foi só clarear suas antenas clavadas. Luz acesa enxergou sua sombra crisálida, silhueta gostosa de regar.

Com tudo a descoberto sentiu o calor de seus infernos. Não demorou a encontrar a linha fronteiriça de seu horizonte. Sem noção do q era refez os passos.

Amanheceu lambendo meu ombro...

sexta-feira, 14 de março de 2014

Frevo afinado e uma oração...



Era carnaval. Era o corpo a descoberto
Um mascarado desconfiado
Um amor à espera de renascimento.

Entro na cena Alfa imerso em alfazema .
Ela flamba no frevo esquecida das cantilenas
Na troca do passo o olhar acena.

Nos altos relevos vicejo à mercê do balancê
do paraíso exibido no seu farto sorriso.

Intuição fêmea largada no batuque sem arrimo
fazendo uso do bumbo deixando surdos
meninas e meninos entregues à sua livre tradução.

Plenas na madrugada, sorrindo faceiras,
as últimas kengas desciam a ladeira da ribeira.

No caldo e rescaldo da oliveira
suor misturado, meu corpo untado
sexo saboreado na fragilidade dos lençóis.

No quarto o dia amanhecia cinza.
Ainda assim a refiz numa última oração...


quinta-feira, 13 de março de 2014

Sim, sem hora... Sim sinhô...



Paraíba recheada de fridas
Guernicas pintadas sob o sol,
cabra celeste parido no mar,
horizonte leste da caatinga.
Com essências de prosa,
pele morena de cor fogosa,
a menina debulha sua sede
na rede estendida na varanda,
à sombra amante do lampião.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Cristais em rocha... Sativa rara...




A joia mais valiosa da mulher não está envolta em pétalas de rosa.

Não está na boca q saliva afoita a carne nervosa. Na brisa farta nascida nos seios soltos no decote, a enfeitiçar o olhar à primeira visita.

Sequer no rebolado do corpo endiabrado, em quadris repartidos, lado a lado, a serviço de vícios delatores.

Tudo isso é fácil. Tudo isso é fato.

Portal abstrato, no qual todo mortal respira os primeiros sinais de vida, a mulher carrega em estado bruto o brilho dos diamantes mutantes. Joia de múltiplas facetas somente perceptíveis se atinge o agudo timbre da pele em polvorosa.

Quando incrustada em dura rocha, alma sativa se despe das figuras decorativas q a vida lhe obriga carregar, e se eleva, com glória e pompa. na visão de sua versão mais esplendorosa.

Só assim encontra a tão esperada resposta.

Na honestidade dos orgasmos, nas mãos de quem a devassa, se expõe na rocha. Sem verso. Sem poesia. Sem prosa.

Ela em sua joia mais preciosa...


domingo, 2 de março de 2014

Flor de oiro... Frágil veleiro...



Radiante luar navega o tejo
Rastelar emoção no brejo
Subversivo beijo desperta
aias em águas d'ouro ébrio

Tamera manifesta-se serva
Observa amor sem garantia.
Sem prazo à vista respira
Brisa híbrida de viver buñuel

Úmida dança tamearama
Flor unissexual d’alentejo.
Polígono interior, poliamor
ao gosto de um deus dará

Felicidade, esta não esfacela
Fidedigna se torna mais bela
Causa e prazer de procelas
em ondas de novo amor





Tejo, rio mais extenso da Península Ibérica. Nasce na Espanha como Tajo e deságua no Oceano Atlântico como Tejo, em Portugal.

Tamera, comunidade situada no Alentejo, PT.

Tamearama, trepadeira polimorfa de folhas tripartidas e, ainda assim, inteiras.

Buñuel, cineasta espanhol nacionalizado mexicano.

Montagem feita sobre fotograma de “A Idade do Ouro”, filme escrito por Salvador Dalí e dirigido por Luis Buñuel.