sexta-feira, 26 de junho de 2015

Onde sabiá faz curva...




Entre profano e espontâneo o corpo curvado deixava o peito colado às coxas aninhadas em conchinhas.

O brilho da carne gozada iluminava o sorriso hortelã adormecido no rosto. O rubro do ruge e resquícios da noite passada retinha o frescor do sonho vivido nas maçãs.

Sob isto havia mais q isso. Havia um prazer submisso nos flancos deixado em aberto, à espera do tiro certeiro do amor franco e atirador.

Sonhou... Sonhou... Sonhou...

Sem saber o q fazer de tanto amor, sonâmbula desafiou as ordens acatadas aos pés do santo e protetor.
Sem delongas. Sem fazer burburinho fez um buraquinho na gaiola e voou.

Voou... Voou... Voou...

Riscou o ar com os bicos dos peitos eretos. Rastejou no espelho do mar inquieto com as incertezas de seu coração incompleto.

Arribaçã à procura da anunciação, a mercê da arrebentação...







Costura fundamental na música “Sabiá lá na gaiola”, de Hervé Cordovil e Mário Vieira.

Arribaçã, de arribação, substantivo feminino avoante...

terça-feira, 16 de junho de 2015

Honoris pausa...

Vontade q não passa
Saudade q abraça
Pensamento q se larga
sem q se queira largar

Calma! É questão de tempo...
Disse o vento q passava.
Tudo q vem no tempo
n’outro tempo se esvai

Largando mão do vento,
vendo q o tempo passava,
rompeu com o silencio...
Por que por dentro não passa?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Maktub cucurrucucu...




Atravessados na cama masturbavam-se a quatro mãos.

Noite passada haviam comemorado bodas d’alma nas margens libidinosas da lagoa.

E ainda comemoravam...

Nus em duos sincronizados descreviam no céu das bocas o q lhes ocorria de correr nas veias.

Um no outro. Um e outro em um e outro descobriam o mágico do q até então era apenas ideia de colosso.

Falanges, falanginhas e falangetas compunham entrelaçadas operetas com impressionante disposição harmônica. Na trama em q se haviam sabiam q não havia vivalma à toa. Nada destoa qdo um voa no outro.

Maktub mon amour!
Soletre sorvete com a sede na ponta da língua
Curta! Cutuque o verso com saia curta
Dê mostras das curvas na lomba...
Cucurrucucu maktub paloma!
A vida é extremamente curta
e a estrada intimamente longa...

Desde noite passada festejavam bodas. Com toda a pompa rasgaram o q haviam escrito com suas filosofias anãs.

Assim, cada vez mais atravessados, transportavam-se da cama ao lago, transformados sapo rei e rainha rã... 








Maktub é uma palavra árabe q significa "estava escrito" ou "tinha que acontecer".

domingo, 14 de junho de 2015

Batendo asas...

entre o lúcido
e o lúdico
a carne vibra
na pele viva.

Pelo q sinto
e ouço
No osso q é
duro de roer...

domingo, 7 de junho de 2015

Perfumes de Colônia...



Certa vez atravessou a madrugada pintando as paredes da casa de amarelo.

Dizia querer morar no sol...

Bem antes de o sol despontar, iluminando a carranca amarrada à viga central, espalhou sementes de girassol em volta da cama. Depois pendurou pedacinhos de poemas no cortinado de organza.

Como acontecia nos dias de tesão cobriu a voz com luvas de seda. Postou-se de forma mansa, pontuando as palavras impostadas com justo interesse.

Aconteceu q amanheceu e o sol não veio...

Frustrada, deixou-se nublar como o tempo. Assim navegou à deriva até respirar outra vez o perfume de colônia.

Enfeitiçada enfeitou-se de dama...

O corpo exalava poemas qdo pisou nas sementes. Dançava qdo rasgou a organza.

Mesmo prevendo contratempos deu asas ao universo, como se cada verso fosse um tapete mágico. Reencontrou-se às margens do rio de La Plata, bem a tempo de abrir escalas, abraçada ao barqueiro q conhecera em noites passadas na milonga.

A cada orgasmo viu florescer girassóis...

Quando o sol lhe acordou no dia seguinte não pensou duas vezes. Antes q o galo cantasse espreguiçou o corpo remexido e fez um selfie com um sorriso amarelo. Agora à luz do sol. 

Como prova de amor tentou oferecer uns versos. Ao olhar o estado do cortinado rezou para encontrar algum largado, ainda q amassado, debaixo da cama...









Colonia del Sacramento é uma cidade portuária localizada à esquerda do Rio de la Plata, sudoeste do Uruguai.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Junho...

Chutou a tristeza e o lixo.
Tirou a saia justa
e veio em minha direção.

Na bolsa trazia saudades
negra luz esperança só
vista no escuro das ruas.

Envolto ao pescoço
um cachecol lilás solto
no entardecer atrevido...

terça-feira, 2 de junho de 2015

Frutos da goiabeira...




Costumava come-la à dentadas. Com os dedos fazia pressão no corpo, até estufar o mesocarpo suculento encarnado, logo enfiado com vontade na boca.

Mordia com gula, misturando seu sabor à saliva. Sentia q engolia alguns caroços. Cuspia outros sem saber q semeava outras goiabeiras, onde, por certo, outro alguém alimentaria sonhos d’alguma sereia. Igual a q aguardava comendo goiaba toda noite de sexta-feira.

Passava a tarde circulando na feira. Quando anoitecia voltava para casa carregando um molho de erva-cidreira.

Em casa, acesa a lareira, abria as cortinas da janela onde avistava o pé de goiaba e, ao longe, bem longe, a Lagoa Mangueira.

Banho tomado sentava na cadeira da penteadeira e assanhava as teias da sua aranha de estimação.

Sempre no mesmo quarto de hora. Sempre na mesma janela. À luz do abajur azul explorava seu corpo com virtuosas dedadas. Aos poucos su’alma saía lambendo bordas, deixando nódoas em sua calcinha de algodão.

Do lado de fora, de olho no olho da goiabeira, ele acompanhava cada movimento de sua sereia. Às vezes gemia alto, bem alto. Às vezes mansinho, fazendo carinho em um tom melódico, à altura de sacrossanto canto.

Passado um tempo, já debaixo das mantas, coberta outra vez de esperança fazia o sinal da cruz e apagava o abajur.

No quarto às escuras olhava as estrelas adormecerem nas profundezas de seu silêncio.

Na manhã de sábado, antes de varrer a casa, tomava o suco feito com as goiabas deixadas como paga no batente de sua porta...









Lagoa Mangueira é uma lagoa situada no município de Santa Vitória do Palmar, a 500 quilômetros de Porto Alegre, RS, perto do Uruguai.