sexta-feira, 25 de maio de 2012

Trem das coisas...


Na primeira vez q ouvi a primeira manhã passava da meia noite. Cruzava os sinais vermelhos da angélica, com o coração acelerado e o vento soprando na contramão. Por fora meu pensamento tencionava o corpo ereto, dentro de um carro esfumaçado até o teto, e sem direção. Meus insanos galopes mosqueteiros ainda não entendiam os alucinantes contrapontos da consolação.

Na manhã do dia seguinte os jornais anunciavam a morte de Lennon. Desolação.

Desse dia em diante rascunho sobre bulas q reinventam sonhos. Vendo meu tempo e fatio meu corpo em migalhas, com as quais alimento meus passarinhos. Às vezes tento cantar, mas só cato ventos. Ventos q me levam e traem os pensamentos, tentando me levar de volta para uma casa q já não tenho.

Sem outra saída levo as mãos ao rosto e sinto rugas, abertas em blusas, soprarem nuvens q passam em asas além de minha imaginação. Sensação.

Na fluidez inóspita dos encontros, minha sombra me abraça e me convida para dançar. Nada é tão sólido q pese nos ombros. Nada é tão líquido q me afogue o peito. Na modernidade líquida de Zygmunt Bauman consumo minh’alma passageira num sobe e desce de ladeiras.

No alto mar de um cruzeiro sem fim, o aquaplanar lento e surdo da primeira manhã mastiga o fruto do meu absurdo. Solidão.






Lembranças compostas ‘Na Primeira Manhã’, música de Alceu Valença.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Curvas matreiras da cuia cunhã...


Bem de manhãzinha a dengosa nanã cunhava a cuia nas curvas da cunhã. Nas telas encobertas de Frida exibia as dores da vida com cores de um sangue ainda não derramado. Assim enxugava lágrimas descortinadas em seu semblante.

No fundo difuso da lata não dizia nada. Sequer disfarça a face traiçoeira dos pensamentos, em gemidos, entregues a açoites.

No apagar das luzes a senhorinha de fino trato descruzava as pernas na penumbra de bares com cheiro das ruas. Banhada pela claridade de tantas luas, fechava os olhos para melhor sentir os cachos de acácias roçando seu corpo.

No escuro cúmplice do olhar marginal, segredos guardados em compotas. Tomada pela fúria jogava moringas de rimas contra a parede. Tamanha ânsia de encontrar a liberdade no fim do túnel.

A senhorinha sabia q toda free way tem seus pedágios. Só não pagava pra ser. Sempre havia um deus pagão à mão.

Embriagada de silêncios dormia sorridente negrita. Parida de tesão afagava a cuia com as mãos, ouvindo a guitarra Yupanqui penetrar-lhe o templo. Ventos... Ventos... Os mesmos q lhe desprendia no tempo, quem sabe desvendaria o futuro.

Nas curvas da cuia cunhã a noite se perdia. O q evocava évora adormecia no esquecimento...





Atahualpa Yupanqui, compositor, cantor, violonista e escritor argentino, nascido em Buenos Aires, no dia 31 de janeiro de 1908. Flauteou-se em Paris, no dia 23 de maio de 1992, durante o intervalo de uma apresentação, em Lion.

Filho de pai ‘quéchua’ e mãe ‘basca’, na adolescência adotou o nome Atahualpa Yupangui, numa homenagem aos últimos governantes incas: Atahualpa e Tupac.

Atahualpa, na língua quíchua, significa 'o filho da terra q veio narrar'.

Nanã é o orixá das chuvas, dos mangues, do pântano e da lama. Senhora da morte, é responsável pelos portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarne).

Cunhã, do tupi Kunhã, significa índia, mulher e companheira.


sábado, 19 de maio de 2012

Sólos, sueños y akiras...


Entrego os pontos e me apronto. Prefiro o desequilíbrio dos riscos q sobreviver, florido e adubado, em colorido vaso n’algum canto de varanda. No eixo da gangorra onde balançam ganhos e enganos, traço meus planos de olho na capacidade de voo do meu cinquentenário aeroplano.

Abro a janela da cabine onde me comando e dou minha cara ao frio e a tapa. Se o tempo passa num voo impreciso, sinal q é preciso pisar no lado mais sólido de minhas nuvens.

Sigo a verdade giratória do farol q ilumina as terras onde habitam braços do meu mar. Prossigo e persigo a simplicidade de um verso singular sem idade e os sentidos do meu corpo, por inteiro, enterrados em canteiros, onde, enfim, respiro o possível brotar do meu cheiro.

Nada se mostra tão infinito, q comporte a inexplicável grandeza da vida no fundo de um poço. Nem é suficientemente forte, q suporte o insustentável peso da leveza de um ser feliz.

Akira, meu sonho não acabou...






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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Anáguas análogas... Dom de viver...


Ao caminhar pelas lembranças, com a alma dividida, esfregou o corpo na cama. De uma forma contundente sentia um fio de outono lhe cortar os pulsos. Por impulso beliscou a própria pele e esboçou um sorriso por não estranhar a dor como sinal de vida. Com os desejos em punho tocou suas mãos na chama.

O primeiro instante lhe pareceu distante. No seguinte encaixou suas pernas na música q o corpo cantava. Dançou. Dançou mto. Dançou com atrevida delicadeza sobre a linha da navalha q descascava cada um dos sentidos. Misturou heavy metal às sonoridades de sua veia nativista. Assim adubou seu quintal com ternura e sons da mata, enquanto louvava as perdidas atlântidas de su’alma litoral.

"Graças quero dar ao divino labirinto dos efeitos e das causas, pela diversidade das criaturas que formam este singular universo, pela razão que não cessará de sonhar, pelo amor que nos deixa ver os outros, pela linguagem que pode simular sabedoria, pelo hábito que nos repete e nos confirma como um espelho...” 

Apesar das asas não depositar sua fé em anjos e nem frequentar roda de santos, não causou espanto benzer o corpo na beira do rio. À sombra da frondosa árvore se sentiu fruto e se ofereceu em sacrifício. Sabia ser a hora de germinar.

Na defesa capital de tantas ironias, cristãos e mulçumanos se esganam em nome do vácuo. A arena das fantasias afunda na velocidade dos dias, revelando um labirinto de regras inúteis e confusas.

“Graças quero dar pela manhã que nos depara a ilusão de um princípio, pela noite, sua treva e sua astronomia, pelo valor e a felicidade dos outros, pelos íntimos dons que não enumero, pela arte da amizade, pelo fato de que o poema é inesgotável e se confunde com a soma das criaturas e jamais chegará ao último verso, e varia segundo os homens."

No circo dos horrores medusas rasgam suas blusas. Do cérebro emanam duendes montados em serpentes. O corpo manifesto salta além da fala e da genitália. Salta com sua vara sobre valas onde mortos disputam a posse de seus jazigos.

No meio do salto, a girar sem sobressaltos na roda gigante, soltou o dorso na saia rodada. Sem dizer nada, ventos assobiavam entre anáguas, desaguando em tdo o q valia a pena viver.





Inserção ondular e atrevida do “Poema dos Dons”, de Jorge Luiz Borges

Sessão contínua...

Na cena do cinema
Um amor de teatro
Sorrisos na coxia
Entrecoxas tablados

terça-feira, 15 de maio de 2012

Chuva e lavas... Terra à vista...


Remeto-me por impulso no vôo cego. Mesmo sem endereço enxergo o tamanho da dor e o tanto q a esqueço ao me deparar com a flor na cor q mereço. Qdo a luz do dia se aproxima adormeço.

No meio do sonho abro os olhos e a noite. As pernas da sentinela são belas e ditam a sina e a rima. Com as mãos nuas seguro forte as crinas da égua selvagem e percorro seus mapas. Semeio a terra. Cravo a pele e cavo tesouros onde ninguém mais vê. Bem-te-vi ao sabor dos beijos e nas labaredas de um vulcão a expelir dilúvios.

No próximo instante atravesso a ponte dos sonhos. No brilho q salta dos olhos sinto o qto a lua fica alva como a neve depois de um banho de chuva.

domingo, 13 de maio de 2012

Cascavilhando...


Despudoradamente escrevo no mesmo colo aceso em q te descrevo. Conjugo o corpo. Disseco meus verbos. Verso sobre o q mastigo, salvo o juízo, sem medir a extensão de cada palavra.

O espírito flutua displicente sobre as ondas q se agitam à minha frente. Vens rente e me serves nas bandejas o q te serve. Percebo o qto as palavras são fragmentos de figurinos desenhados nos murais. Então escorrego pela métrica nada hermética da víscera q me conduz para dentro do texto.

Aqui dentro balbucio pensamentos e percorro, no mesmo tempo do beijo, a extensão do corpo e do tempo q não te vejo. Verso o silêncio.

Sem martírios e nem gaiolas alimentamos pássaros no compasso e bater nas palmas de nossas mãos nada donzelas.

Longe das notícias o estado do Maranhão agoniza junto com seu Imperador. Mas não sentem a mesma dor. A perda de um é a esperança do outro. Nas decantadas divisas oceanos separam mto mais q pessoas. Ato contínuo q o pregador vivaldino lucra ao chamar de destino  Ao sentir na carne o sabor mecânico da laranja, provamos com gana a extrema de unção de uma louca comunhão, q justifica, mas não explica os impropérios e os quilometricos privilégios.

Assim caminha a assustada desumanidade, sem q ninguém faça nada para derrubar os invisíveis muros q protegem a sala de estar dos nossos bipolares Berlins.




Cascavilhar: Procurar algo q se encontra misturado e oculto... Entre outras coisas...

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Árias Ismálias...


Ismália. Loucura cega
Fornalha da entrega sem pudor.
Serva sem compromisso.
Teu feitiço corre nas veias
em assumidos riscos.

Carne estufada  brilhante
beduíno em chamas. Em tua cama
a tragédia anunciada.
A alma na beira do poço
reflete o esboço de teus anais

Dança banhada de chuva
Dorso a provocar luar.
Emerges das águas em q submerges
Ondas borbulham no seio de teu mar
duendes e fadas a te aninhar

No porão os fantasmas se agitam
e esboçam uma rebelião.
Lambes tuas tantas mortes e percorres
altiva cada uma de tuas missões.
Sem ensaio sobes no tablado

Refeita do improviso reverencias,
com inesperado sorriso, a vida
Em seu monólogo desesperado
desejas as falas das mãos
silenciosas do teu Senhor. 





'Ismália' é um poema do mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870-1921). Representa a dualidade entre o plano físico e a alma. A loucura e o sonho, um dentro do outro. Levada pela loucura Ismália entra num mundo de sonhos, atravessando a fronteira q separa a vida da morte.