sábado, 20 de setembro de 2014

Nos caracóis de teus pentelhos...




Um bucólico cheiro de cio inundara o quarto, àquela hora entregue à penumbra.

De nada adiantou buscar sentido no inexplicável. Algumas realidades são imponderáveis. Esta era a única percepção plausível q tinha do inacreditável fato de ter chegado até ali.

Caracahuega era um povoado erguido no meio do nada, na transversal do tempo, em uma rota vicinal da rodovia q levava ao atracadouro construído na principal afluente do rio juramento.

Os pouco locais sobreviviam da agricultura familiar. Plantavam sem a certeza de colher. Viviam pelo viver. Simples assim sei q é difícil de crer.

Mas era um povoado feliz. Tranquilo até demais. Apesar dos ruídos q acordava a todos, todas as noites, vindos do pé da serra de Mbaracayú.

Alguns diziam ser Kurupi. Outros insistiam ser Jasy Jatere, acompanhado de seu irmão Ao Ao. Para mim era a mula perdendo a cabeça, mas, ninguém me entendeu...

Longe do disse-me-disse, fosse com lamparina apagada ou acesa, a noite adentrava no cio da madrugada e suas infernais veredas.

Dizia ser culpa dos sonhos q não lhe dava descanso.

Fato. Seu corpo esparramava curiosa brasilidade na cama. No atravessar das coxas aquecia travessa o travesseiro recheado de penas de ganso.

De dama à potranca bastava um pulo.

De pulo em pulo saltava as virtuais e eventuais cercas, e encarava a realidade, bela e lírica, cantando “gracias a la vida”, soltando da braguilha a pica de seu amor.

Coberta a imagem da santa, ajoelhava com a boca untada e lambia um terço. Conforme o tempo passava retirava os adereços. Como em um passe de mágica esquecia q tinha endereço.

Largados os encantos de fada renascia vistosa encarnação da malícia.

Sem temer o pecado da gula cozinhava docinhos de pecado no corpo suado, na sede do pobre diabo saciado com feitiçarias caseiras.

O q antes remexia por dentro perpetuava-se noite adentro corpo a fora, em ecos, uivos e dilúvios.

Depois adormecia, em silêncio, em paz...

No dia seguinte, nas rodas q se formavam à espera do almoço, alguns caracahueganos continuavam a apostar no Kurupi. Outros, mais exaltados, não se sabe pela fome ou pelo cansaço, insistiam no Jasy Jatere. Vai saber...

O q ninguém viu foi a mula perdendo a cabeça...

Aliás, antes q eu esqueça: Casi siempre, entre el lunes y el martes, tenía la costumbre de acumulavar. Entonces, en estos dias, ni era necesario hacer las apuestas.

Todos sabían: era un dios nos ayude…










Segundo a lenda paraguaia, Kerana, a bela filha de Marangatú fora tomada por um espírito do mal chamado Tau. Juntos, Tau e kerana, tiveram sete filhos: Teyú Yaguá, Mbói Tu'i, Moñái, Jasy Jatere, Kurupi, Ao Ao e Luisón. Todos, exceto Jasy Jatere, nasceram com a forma de monstros.

Kurupi é o deus da sexualidade. Costuma sequestrar as mulheres com seu pênis enorme e largo, sempre preso à sua cintura.

Jasy Jatere é um homem baixo de cabelos louros. Costuma surgir durante o sono portando uma varinha mágica. É conhecido por fazer desaparecer quem o vê. Está sempre na companhia de seu irmão Ao Ao.

Ao ao é considerado o deus da fecundidade. Dizem q teve muitos descendentes, e q andam em grupo comendo as pessoas. Segundo os mais antigos, para se salvar de um Ao Ao, deve-se subir até o alto de uma palmeira.

"Gracias a la vida" é uma canção composta pela cantora chilena Violeta Parra.