terça-feira, 16 de agosto de 2016

O ovo de Clarice...



De manhã na cozinha olhou de novo sobre a mesa e não havia ovo...

No gargalo do gogó do gago pediu indulto ao gajo. Este, afinando o calo temporão do esporão do galo no timbre tenor, subiu ao sótão e cacarejou:

Se galo eu a galada abre inocentes asas sobre todos os nós...

De Bodocó à Marrakech. Do Salto da Onça à Não me Toque. Não houve escarpa q escapasse às brancas runas. A tudo tracejou.

Contudo, depois do frango assado de nome engraçado experimentado no cruzeiro, passou a exigir elevador social até para subir no poleiro.

Nada mais pessoal q abrir o celeiro aos três mosqueteiros. Enfatizou o justiceiro.

Nada mais social q soltar a língua no vespeiro. Acrescentou esperançoso o sorveteiro.

Antes do quarto badalo o galo deu como lida sua missa...

Após comer seu milho e morder língua de sogra, cansado de tanta prosa, sentou na única cadeira vazia com um lapso na mão e um ramo de arruda à altura do peito.

Nada mais disse. Também ninguém contradisse.

Além das invencionices sabia-se q tolice pouca era pura roupagem...

Quanto ao ovo sempre foi claro: quem responde é Clarice.

“Por devoção ao ovo eu o esqueci. Meu necessário esquecimento.
Meu interesseiro esquecimento. Pois o ovo é um esquivo.

Diante de minha adoração possessiva ele poderia retrair-se e nunca mais voltar.

Mas se ele for esquecido. Se eu fizer o sacrifício de esquecê-lo. Se o ovo for impossível. Então – livre, delicado, sem mensagem alguma para mim – talvez uma vez ainda ele se locomova do espaço até esta janela que desde sempre deixei aberta.

E de madrugada baixe no nosso edifício. Sereno até a cozinha.
Iluminando-a de minha palidez.”









Título inspirado no conto “O ovo e a galinha”, de Clarice Lispector.

Por fim, como nem todo fim justifica ser meio, um enxerto proposital do parágrafo final de “O ovo e a galinha”.