domingo, 3 de março de 2013

Adorno Renoir... Contornos Adoniran...



Travesseiros cúmplices e travessos descansavam junto ao corpo esparramado no emaranhado de lençóis de puro algodão. Um deles, o mais irreverente, envolvido por pernas esbranquiçadas e roliças, absorvia a umidade incrustada no entrecoxas e o cheiro forte do sexo q embalara a noite de prantos, acalantos e torpor.

No quarto, agora em penumbra, ainda ecoava os últimos acordes de uma rumba sem pudor.

Não. Não era em Paris. Embora as vestes dependuradas no cabide estampassem um refinado toque meretriz. Embora, sobre a cabeceira, um cartão postal rabiscado em francês reproduzisse um Renoir.

- Excusez-moi, mon amour. Je ne peux pas rester une minute de plus avec vous...

Fora isso, uma aparentemente calma pinçava versos bucólicos no quarto antes varrido pela tempestade de verdades.

No território livre dos desejos a inocência q beirava a demência irradiava felicidade pelas veias. Irrigava as entranhas, até então estranhas, levando o dorso a se contorcer em desconexos dialetos.

Com o fio da navalha a perfurar os dilemas a alma sangrava no peito. Viver parecia ser o desespero de ser o derradeiro amalgama. Agudo. Confuso. Terminal.

No primeiro ato a senhorinha desnudou a alma. Abriu as cortinas e saltou além da janela, indo para bem longe da suntuosa casa grande. Com o corpo enfeitiçado arrastou sonhos pela paisagem. Senhora e escrava na senzala de seus desejos.

Ao fim do segundo ato, sem demonstrar clemência, o capitão do mato rasgou a carta de alforria q ostentava como símbolo de liberdade e troféu de resistência.

Agora, bela e adormecida, povoava os rios com delírios. Os canteiros com cheiros e recheios de fada.

Em estado de graça sentia-se amada, mas, não inteiramente saciada. Era o q revelava o balbuciar sonâmbulo dos lábios, numa narrativa desbocada sussurrada entre véus surrados, brocados e bons bocados despidos na intimidade dos sonhos.

No palco, os únicos aplausos q se ouvia provinha do bater acelerado do coração. O cenário feito de delícias q se mostraram caseiras, agora perpetuava nos volumes e na silhueta exposta sobre a cama.

Enigmas e sedução no transpirar dos poros. Em cada ponto reticente, a cada exclamação, clamava o imperativo de sua melhor indefinição.

Não sem razão...







Adoniran Barbosa foi um cantor e compositor paulista. O seu primeiro sucesso como compositor foi ‘Trem das Onze’. A música, q já havia sido gravada em 1951, foi regravada pelos ‘Demônios da Garoa’, conjunto musical de São Paulo, do qual era seu mais ilustre componente. Adoniran Barbosa morreu em 1982, aos 72 anos de idade.

Pierre-Auguste Renoir foi um pintor francês impressionista. Sua obra foi influenciada pelo sensualismo, elegância e a delicadeza de seu ofício anterior como decorador de porcelana.

A foto de Adoniram Barbosa utilizada na imagem é de Pedro Martinelli