terça-feira, 2 de junho de 2015

Frutos da goiabeira...




Costumava come-la à dentadas. Com os dedos fazia pressão no corpo, até estufar o mesocarpo suculento encarnado, logo enfiado com vontade na boca.

Mordia com gula, misturando seu sabor à saliva. Sentia q engolia alguns caroços. Cuspia outros sem saber q semeava outras goiabeiras, onde, por certo, outro alguém alimentaria sonhos d’alguma sereia. Igual a q aguardava comendo goiaba toda noite de sexta-feira.

Passava a tarde circulando na feira. Quando anoitecia voltava para casa carregando um molho de erva-cidreira.

Em casa, acesa a lareira, abria as cortinas da janela onde avistava o pé de goiaba e, ao longe, bem longe, a Lagoa Mangueira.

Banho tomado sentava na cadeira da penteadeira e assanhava as teias da sua aranha de estimação.

Sempre no mesmo quarto de hora. Sempre na mesma janela. À luz do abajur azul explorava seu corpo com virtuosas dedadas. Aos poucos su’alma saía lambendo bordas, deixando nódoas em sua calcinha de algodão.

Do lado de fora, de olho no olho da goiabeira, ele acompanhava cada movimento de sua sereia. Às vezes gemia alto, bem alto. Às vezes mansinho, fazendo carinho em um tom melódico, à altura de sacrossanto canto.

Passado um tempo, já debaixo das mantas, coberta outra vez de esperança fazia o sinal da cruz e apagava o abajur.

No quarto às escuras olhava as estrelas adormecerem nas profundezas de seu silêncio.

Na manhã de sábado, antes de varrer a casa, tomava o suco feito com as goiabas deixadas como paga no batente de sua porta...









Lagoa Mangueira é uma lagoa situada no município de Santa Vitória do Palmar, a 500 quilômetros de Porto Alegre, RS, perto do Uruguai.